sexta-feira, 31 de agosto de 2012

38 anos de espera valeram a pena

                      Em 1974 eu trabalhava como fotógrafo profissional em Capitólio, quando uma senhora me pediu para fazer o álbum fotográfico do casamento de um casal de Passos, que viera realizar seu enlace na igreja da cidade. Prontifiquei-me logo, tirei as fotos, fiz o álbum e fiquei à espera de que viessem reclamar meu caprichoso trabalho. Passaram-se muitos dias, nada. Passaram-se anos, nada. Entretanto eu usei o álbum, sem as fotos, para outro casamento, mas tive o cuidado de guardar as fotografias. Outro fotógrafo certamente jogaria tudo no lixo. Eu, porém, tinha a esperança de que, algum dia, os interessados iriam procurar sua encomenda. Cerca de um ano atrás, resolvi fazer um verdadeiro trabalho de sindicância, tentando descobrir o paradeiro dos nubentes, na esperança de que desse o necessário rumo às fotos. Depois de muitas peripécias, consegui descobrir que a noiva de então era filha de um antigo motorista de ônibus, natural de Capitólio. Viera casar-se em Capitólio, pelo fato de não ter feito o curso de noivos, exigido em sua paróquia de Passos.
     Pois é. No dia 22 de agosto passado, depois de ter realizado várias obrigações na cidade de Passos, dirigi-me á residência dos interessados, sem que os mesmos soubessem do motivo de minha visita. Eu mesmo estava cauteloso, pois não imaginava qual seria a reação do casal. Se, por exemplo, estivessem separados ou insatisfeitos com o casório, certamente recusariam as fotos e poderiam até me despedir com cara de tacho. Apresentei-me como um curioso locutor à procura de assunto para uma reportagem. Pedi  à   simpática senhora que me mostrasse as fotos de seu casamento. Ela se lamentou, pois não as encomendara, pelo fato de seu pai não ter tido condições financeiras para adquirir o álbum. Foi então que, depois de muito suspense, mostrei-lhe as antigas fotos, ainda muito nítidas e caprichadas, sem manchas nem amarelidão. O casal caiu das núvens, agradeceu-me muito e não sabia como manifestar sua gratidão. O marido interrogou-me sobre o preço a pagar. Então eu lhe respondi, com sinceridade, que o álbum já estava muitas vezes pago, graças à alegria e felicidade que eu lhes tinha proporcionado naquele instante. Realmente valera a pena  esperar 38 anos para dar  alguns momentos de felicidade a um casal trabalhador e digno.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Padre Pescador

                  Quando cheguei a Capitólio, já estava convencido de que não tinha cabimento um padre de cidade do interior viver às custas do suor  e do trabalho dos paroquianos. Em Tapiraí, de onde acabava de vir, eu era funcionário da Prefeitura, onde trabalhava normalmente como oficial de gabinete do prefeito e recebia pouquinho mais do que um salário mínimo,  o que dava para alugar uma casa em parceria com um velho amigo do lugar, bem como para fazer minhas despesas de comida e de roupas.
     Chegado à nova paróquia, depois de um estudo sobre a situação local e sobre o modo de trabalho das pessoas mais comuns, cheguei à conclusão de que o mais fácil e prático para mim seria tirar minha carteira de pescador profissional e abraçar um serviço honesto, adaptado à realidade local e capaz de me manter e me deixar ainda o tempo necessário ao serviço estritamente paroquial. E foi assim que me mandei para a longínqua cidade de Pirapora, tendo como motorista o conhecido e prestimoso Toninho Abobra. Voltei satisfeito, trazendo no bolso a carteira de pescador e fazendo castelos para minha vida de padre pescador.
     O imprevisto, porém, logo aconteceu. Poucos dias depois, recebi recado de um advogado de Piumhi, chamando-me a sua presença. E qual não foi minha surpresa e decepção quando o mesmo, a pedido de um pescador da região, chamou minha atenção para o fato de eu, um padre que ganhava bem e tinha recursos para uma vida confortável, querer abraçar uma profissão que era o ganha pão de outros pobres pescadores. Não argumentei e saí triste, quase indignado com o fato de um advogado se arvorar em dar opinião sobre minha vida, sem conhecer meu modo de viver e trabalhar, sem dar notícia de que eu preferia ganhar o pão com o suor de meu rosto e não às custas de meus paroquianos. Preferi desistir a brigar, entender as razões do delator e do causídico a entrar em polêmicas desnecessárias. Voltei triste mas não revoltado e parti para outra. Talvez até tenha sido tudo muito providencial, pois caminhei para o lado do magistério, tornando-me professor e diretor do pobre e humilde Colégio João XXIII, de onde comecei a tirar meu sustento e a alimentar mais ainda as mentes dos alunos da cidade.
     Quanto aos causadores de minha decepção, estão hoje na eternidade, certamente felizes ao lado do Senhor e até torcendo pelo êxito de meu desejo de sempre trabalhar pelo bem do proximo mais necessitado do que eu. Que Deus os tenha e a mim me dê forças.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Cristianismo Autêntico

     Cerca de cem anos antes da realização do Concílio Vaticano II, sob a presidência do grande e santo papa João XXIII, Frederico Ozanam, o jovem francês e fundador da Sociedade de São Vicente de Paulo, já exclamava, com todas as letras: "Eu não sei amar a Deus de outra forma, a não ser servindo aos mais pobres".
     Pois bem, em uma das famosas reuniões ou sessões do grande concílio, realizado há sessenta anos atrás, um famoso cardeal da Igreja se levantou no meio de grandes prelados, após muitas discussões sobre a forma de existir da verdadeira igreja de Cristo no  mundo atual. Para espanto geral,  o carderal se admirou de tantas elucubrações sobre tema tão simples quanto importante e, na maior singeleza,
 exclamou mais ou menos o seguinte: "Estamos perdendo nosso tempo, sem percebermos que a prática do mais autêntico cristianismo está diante de nós há muito tempo, sem que o tenhamos percebido. A igreja verdadeira de Cristo se chama Sociedade de São Vicente de Paulo e e compõe de homens simples e desapegados, que se dedicam ao próximo mais necessitado, no cumprimento fiel da mensagem de Cristo: "Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros".
     Interessante é que meu antigo bispo diocesano de Luz, o grande Dom Belchior, ligou de imediato para um dos líderes dos vicentinos da cidade de Piumhi, comunicando-lhe, cheio de emoção, o acontecido dentro dos muros do famoso Vaticano. Pena é que a lição não tenha sido até hoje bem aprendida pelas diversas igrejas que se dizem cristãs mas não se lembram bem da única mensagem que Jesus veio trazer a este mundo.