quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Devolver é mais difícil do que roubar

     Vou contar um milagre mas não os nomes dos santos. O fato aconteceu há mais de quarenta anos, quando eu era ainda um padre muito novo e costumava passar um gostoso dia de descanso, todo começo de semana, de segunda para terça, em meu singelo ranchinho da Ilha. Em uma daquelas noites, resolvi, com meus dois ou três companheiros, visitar  um sitiante vizinho, tomar seu gostoso café com queijo e cantar algumas modas de viola, ao som de meu acordeom. Tudo ia na maior tranquilidade,  quando notei que alguns companheiros sumiram, enquanto outro me incentivava veementemente a tocar e a cantar com mais força e animação. Depois do gostoso café e de um papo ameno, voltamos alegres e felizes para o rancho.Os colegas voltaram eufóricos, depois de pegarem, debaixo de uma lata na estrada, uma galinha que tinham furtado do sitiante, enquanto eu abafava os possíveis sinais do furto com meus toques e cantorias.
     Pois bem, uma vez chegados ao rancho, passei o maior sabão nos amigos, mostrando para eles o vexame   pelo qual eu passaria, na condição de padre ladrão de galinha, sem falar nas possíveis consequencias advindas do senhor bispo diocesana, que poderia punir-me e me afastar da paróquia. Embora constrangidos e decepcionados, os companheiros se levantaram cedo e se lançaram à difícil missão de devolver o fruto do roubo. Só que a devolução foi infinitamente mais difícil que o furto. Eles se deitaram na estrada, soltaram a galinha e começaram a enxotá-la de volta para o lar, tomando sempre o cuidado de de não falarem muito alto, para não despertarem os moradores. E a galinha não andava,certamente impedida pela triste posição das pernas peadas durante toda a noite. O certo é que a cerimônia de devolução foi muito mais difícil do que o furto anterior. Mas eles devolveram o fruto do roubo, ficaram sem o sonhado arroz com galinha, mas a lembrança do fato nos diverte até hoje, bem como a lição de que é mais difícil devolver do que roubar.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Uma só coisa é necessária

     Podem chamar-me de esquisito mas vou dizer algo que me encabula muito. Em comemorações festivas, como Natal e Reveillon, as donas de casa se cansam, correm o tempo todo, preocupadas e atarefadas com pratos diversos e complicados. Assim, acabam não participando das conversas, do convívio familiar e até das brincadeiras e diversões que surgem sempre em tais encontros. O estresse é grande e a trabalheira anterior e posterior é enorme, deixando as ou os responsáveis pelos comestíveis completamente esgotados. E aí é que eu fico me lembrando das palavras divinas de Jesus a Marta, irmão de Maria e de Lázaro. Em suas andanaças pela Judeia, Samaria e Galileia, Jesus se refugiava na casa de Lázaro e de suas duas irmãs. Maria ficava quase o tempo todo aos pés de Jesus, sorvendo as palavras de sabedoria que fluíam de seus divinos lábios. Enquanto isso, Marta vagava de um lado para outro, ocupada com os pratos que deveria preparar para os comensais, preocupada com a qualidade e a quantidade de iguarias que devia servir ao divino hóspede.  Em um de seus momentos de estresse, Marta não se conteve e implorou ao Mestre que ordenasse à irmã que fosse ajudá-la na cozinha. E o que falou Jesus? - Marta, você está muito solícita e preocupada  com a preparação de muitos pratos, ao passo que um prato só é o suficiente. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.
     Como se depreende, em boa tradução do texto, Jesus se referia à quantidade de pratos para a refeição. E será que não vale também a mesma observação para as donas de casa que se escabelam e que perdem o convívio dos comensais, cansando-se e se estressando com grande quantidade de pratos e com excesso de comidas que depois sobram em abundância, criando um segundo problema para depois dos festejos? Será que não  era bastante um arroz com galinha ou um arroz com suã, pelo menos em nosso convívio mineiro? Aí está algo a se pensar, com o intuito de excluir, de nossas comemorações, a canseira que cai sempre sobre os ombros da pobres donas de casa.