quinta-feira, 27 de agosto de 2009

TREZE PONTOS NA LOTERIA

No ardor e entusiasmo de meus dezessete e dezoito anos, eu fazia o noviciado religioso de dois anos, como preliminar para ingressar na Congregação da Missão, fundada por São Vicente de Paulo. Aquele era um período de prova e de santificação pessoal, cujo obletivo era aperfeiçoar-se, conhecer a fundo a congregação dedicada aos pobres e dar provas de que possuía vocação para o sacerdócio e para o espírito vicentino.
Eu entrei de cabeça no trabalho de minha santificação pessoal e procurei imitar os grandes místicos e ascetas do catolicismo. Cumpri as regras do noviciado com tanta convicção e determinação, que cheguei até a ganhar o jocoso apelido de "Vai ou Racha". Entreguei-me a toda sorte de sacrifícios físicos, de leituras, de meditações e de exercícios espirituais. Tentei chegar aos êxtases dos grandes místicos e às mortificações corporais dos famosos ascetas cristãos. Eu sonhava sair dali santificado, perfeito, pronto para cumprir a missão de servir aos pobres, no encalço do grande São Vicente. Tanto rezei e tanto me ajoelhei, que adquiri, no joelho direito, um volumoso higroma, cientificamente definido como derrame líquido das bolsas serosas. Depois de vários tratamentos, tive que ser operado, recebendo treze pontos de cima para baixo, bem no centro da patela.
Depois de ordenado padre e jogado, às escuras, no serviço direto aos humildes moradores de paróquias esquecidas, foi ali que começou meu verdadeiro aprendizado de ser santo. Compreendi que ser santo e ser cristão é algo que não brota do esforço pessoal e para dentro mas antes da doação para fora, da saída do próprio casulo, do serviço para os irmãos, na opção preferencial pelos mais necessitados. No dizer de São Vicente, a perfeição evangélica se realiza é no suor do próprio rosto e na força dos próprios braços.
Eis aonde eu quis chegar, ao falar nos tão almejados treze pontos da loteria esportiva. Os treze pontos recebidos no joelho me mostraram, bem mais tarde, que, embora para sempre marcados em minha carne, não eram eles e nem as suas causas, nem as rezas nem os sacrifícios, que me levariam à felicidade evangélica, mas antes a doação, a partilha, a fraternidade e a convivência com os simples, com os carentes, com os necessitados. Ganhei treze pontos que nunca se apagam e que me lembram sempre a lição profunda que deles recebi.

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